As nossas memórias. A nossa identidade. Os seus guardiões e depositários.

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Quantas histórias este senhor terá para contar acerca de décadas de batalhas com o mar?

Não podemos dissociar as memórias individuais das memórias coletivas. As segundas dependem do conjunto das primeiras, da comunidade de memórias.

Diz-se que devemos valorizar as memórias, conhecer o nosso passado, para que não cometamos os mesmo erros de novo. Mas julgo ser muito mais do que isto, e isto já é tudo menos pouco.

As memórias são a nossa identidade, quer como indivíduos quer como comunidades, como regiões, como povos e nações.

Gostamos de fazer grandes homenagens a pessoas quando morrem, mas depois de termos desperdiçados muitas das suas capacidades, a partir do momento em que se passaram a considerar “velhos”. Sabem as mesmas coisas, conhecem a sua localidade, a sua região como ninguém, sabe e conhece mais facilmente pessoas que podem estar em situações de dificuldade, isolamento ou outras causas, pro um lado, e, por outro, conhecem as pessoas que ainda podem mostrar ofícios tradicionais locais. E ninguém lhes pergunta nada. Mas depois de falecerem, “que pena, conhecia tanto disto ou daquilo”.

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Falamos muito em envelhecimento ativo, e depois esquecemos de dar o sentido de utilidade às pessoas mais experientes, desperdiçando um capital humano que tem capacidade, conhecimento, experiência e, ainda por cima, vontade, de participar e contribuir para as questões da preservação da identidade local, e nas questões relativas ao desenvolvimento suas comunidades.

Todos os locais têm memórias do maior e melhor interesse que podem (e devem) ser registadas, preservadas, contadas na voz dos protagonistas.

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Trabalhador de petrolífera no Texas a almoçar, 1938.

Numa comunidade, seja de uma cidade grande ou de uma vila ou aldeia pequena, as pessoas mais velhas são as grandes depositárias dessas memórias, pessoas que, com o seu conhecimento e experiência de vida e de vidas, podem proporcionar exposições de vários tipos, livros, roteiros turísticos com locais menos conhecidos do turismo regular, roteiros grastronómicos com os melhores cantinhos. Podem-nos contar como se viviam as coisas simples do dia a dia, antigamente, aquelas curiosidades que gostamos de ver na televisão mas nos esquecemos de perguntar como eram, a quem as viveu.

Poderia continuar, e por muito tempo, os exemplos são intermináveis.

Uma das grandes utilidades desperdiçadas pelas comunidades são precisamente estas memórias, aquelas que podem fazer um sítio ser diferente do outro, não uma cópia de outro local.

São as memórias e o seu bom uso, que podem fazer uma cidade evoluir sem perder a sua identidade. São as memórias que mostram como um local se tornou o que é hoje. Conhecer as memórias de um local, é conhecer o próprio local.

Podemos e devemos promover o progresso sem deixarmos de ser quem somos. Um bocadinho ao estilo japonês, grosso modo. Num dia de cabelo azul numa discoteca que parece uma estação espacial, no outro de quimono a homenagear os antepassados. “Modernizam-se” mas sem perderem o respeito pela sua identidade.

Podemos e devemos fazer algo assim, já que temos razões para gostarmos da nossa identidade.

E a nossa identidade está preservada nas memórias das pessoas mais velhas! Simples! Ou devia ser simples, e não o desperdício de memórias, de histórias, que a cada inevitável óbito de um ancião se chora. Não se chora apenas a sua partida, mas também um pouco da identidade de um local, a oportunidade de se terem preservado, filmado, gravado, registado de algum modo, as memórias, vivências e experiências das pessoas que fizeram parte da vida daquele local. Desperdiça-se tanto por não se ter noção do valor das memórias, do valor dos seu principais depositários.

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Que somos nós, pessoas e locais, sem as nossas memórias?

Por outro lado, uma questão simples, que diz respeito a todos, sem idade.

Que somos nós sem as nossas memórias? Sem sentirmos de novo as coisas boas que já se atravessaram na nossa vida?

Recordar é isto mesmo, é sentir de novo. E nas idades mais avançadas, são parte das coisas boas que se sentem, que se usufruem.

Sofremos quando pensamos nas coisas más que já vivemos, porque as sentimos também de novo. Mas dessas nem vale a pena. A nossa vida é tudo o que vivemos, mas podemos filtrar as coisas más, elas existiram, definiram-nos, moldaram-nos, mas já fizeram o seu papel.

Sofrer tem de ser só uma vez, mas sorrir… Isso, sorrir, isso deve ser feito, repetido, usufruído sempre que se tiver oportunidade. E saborear.

Nostalgia?.. Que seja da boa, se é que se pode dizer assim.. Sorrir vezes infinitas da mesma coisa?. Porque não?. Se sabe bem, se alimenta o espírito, lembrar os sorrisos genuínos, verdadeiros, porque não fazê-lo?. Sorrir das memórias antigas, ajuda-nos a gostar mais, a aproveitar mais as coisas boas que ainda todos vamos sentir. Um sorriso, pequeno por fora mas gigante de sentido.

Nostalgia é um sentimento recorrente nas pessoas que mais tempo viveram, é natural. E merecem poder usufruir dessa nostalgia, e nós deveríamos conseguir aproveitar as memórias que proporcionam essa nostalgia. A bem de todos, pessoas e lugares.

As nossas memórias e os seus guardiões, a nossa identidade, de cada um de nós, de cada uma das nossas comunidades, de cada um dos nossos povos, a cada um dos Humanos. O que fazemos com isto, e como o fazemos, define-nos a nós todos, e aos territórios que ocupamos!


Tiago Manuel

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